Um dia acordei, me olhei no espelho com a vista ainda embaçada e não reconheci o que via, esfreguei os olhos afim de desembaraçar a imagem e pensando que me veria refletida, acabo não vendo. Não reconheço quem está no espelho, esses cabelos, esse rosto, essas mãos, o corpo, as tatuagens, os piercings, não reconheço nada. Fecho os olhos pra ver se pelo menos dentro encontro algo de mim e vejo que o que tem lá dentro é algo de muitas pessoas, pessoas que passaram, que passam e que passarão em minha vida. Vejo atitudes que jamais tive e que estou tendo agora, lá na frente vou rir ou chorar disso tudo, vejo sonhos perdidos, alguns engavetados, que jamais se realizarão, outros voando como borboletas impossíveis de serem capturados novamente, vejo vontades, vontade de conhecimento, vontade de estudar, de viajar, de experiências diferentes e vejo também uma dona de casa que cuidava do marido e da filha como se o mundo fosse somente aquilo, vejo uma amante indomável e uma donzela tão indefesa, vejo decisões tomadas, decisões corretas e incorretas, que foram boas ou ruins, mas que as tomei e suportei as conseqüências delas, muitas vezes sozinha, muitas vezes acompanhada, tenho pouca idade e uma vida já vivida, também tenho uma vida que queria ter vivido. Quem sabe um dia, um dia vivo os sonhos engavetados e os sonhos que voam por aí. Não sei se gosto da pessoa que acabo de ver dentro de mim, não sei se gosto da pessoa que estou olhando no espelho agora. Vi que sou uma pessoa frágil que todos acham que é forte que suporta tudo, corajosa e decidida, mas que nunca na vida vai saber lidar com a solidão, sou frágil e insegura, acho que até sem amor próprio.
Vontade de mudar tudo, vontade de cortar e pintar os cabelos, fazer outras tatuagens ou retirar as que existem, retirar pessoas que passaram em minha vida e que deixaram marcas profundas e muitas vezes doloridas, vontade de emagrecer, viajar, viver à beira do mar, vontade de trabalhar com crianças, de dar aulas e ser o centro das atenções .
Centro das atenções, gosto disso, qual é a necessidade de uma pessoa ter tanta insegurança que pra se firmar e ser forte tem que realmente estar no centro das atenções? Quem sabe se tivesse nascido em outro tempo? Quem sabe se não fosse leonina???
O que fazer? Dúvidas que não se calam, decisões que não são tomadas, amor próprio que não é reconstruído.
Olhando assim percebi que as pessoas que tenho dentro de mim são para sempre, como as tatuagens que fiz, posso fazer outras mas sempre as antigas estarão lá, até um dia que não terá mais como refazer as tatuagens pois não haverá mais espaço, daí quem sabe eu sossego, encontro alguém que está cansado de tentar sozinho de refazer as suas experiências e volto a ser a Ms. Menino que sempre sonhou em ter uma vida simples, dando aulas para crianças, com a sua casinha lindinha e sua grama verdinha, com um marido bom e atencioso e uma filha criada em um lar decente e comum... Mais um sonho engavetado...